Calf Note 213 – Caminhando na fazenda, Parte 3 – Uma ressalva na área de parto

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Autor: Jim Quigley

Traduzido por: Paula Tiveron e Rafael Azevedo

Introdução

Na série “Caminhando na Fazenda”, espero fornecer algumas observações e sugestões para instalação, nutrição e manejo de bezerras e novilhas. O Calf Note #212 discutiu brevemente a área de parto e meus pensamentos sobre a saúde da bezerra durante esta parte importante da vida do animal.

Meu conceito pessoal é gerenciar a área de parto para que as vacas sejam alojadas individualmente e possam parir separadas das outras do grupo. Sugeri também que as bezerras fossem separadas assim que possível, colocadas em uma área limpa, quente e seca, e alimentadas com colostro na primeira hora de vida.

Escrevi no Calf Note #145 como um comentário sobre o “contrato social” entre a agricultura e o público consumidor (ou seja, todos). Existem algumas definições interessantes dessa ideia de contrato social (principalmente relacionadas ao governo e à ordem política, como neste documento da Wikipedia article), mas eu escolho definir o contrato social como as expectativas (escritas e não escritas) entre a agricultura e o público consumidor. Cada vez mais, os consumidores desejam não apenas alimentos saudáveis, seguros e nutritivos, mas desejam que seja produzido de maneira sustentável, com ênfase no bem-estar animal e nos direitos dos animais. 

Alterações neste contrato podem ser impostas pelos governos ou por meio da cadeia de suprimentos, atendendo aos desejos dos consumidores (restaurantes, supermercados, etc.). Por exemplo, nos anos 90, os governos europeus determinaram – por meio de legislação – mudanças fundamentais na maneira como os bezerros de vitelo eram criados em toda a Europa. Inicialmente, o setor rejeitou as mudanças necessárias, basicamente dizendo que eram grandes demais e que a saúde e a eficiência dos bezerros seriam comprometidas. Seus argumentos não mudaram as leis e, eventualmente, a indústria encontrou maneiras de ajustar o manejo e a nutrição para que todas as novas regras de bem-estar fossem efetivamente implementadas. Hoje, a indústria da carne de vitelo na Europa é vibrante e as mudanças realmente resultaram em eficiência de crescimento semelhante ou maior em comparação às práticas mais antigas. Mas, com maior confiança do consumidor e aceitação da indústria.  

Isso me leva à área de parto. No Calf Note #212, eu recomendo que as bezerras sejam removidas assim que possível, para reduzir o risco de consumirem camas contaminadas, mamar em uma vaca (talvez não a mãe) e ingerir esterco em vez de colostro, etc. Contei um estudo de Logan et al. sobre a importância da ingestão precoce de colostro para a sobrevivência e saúde das bezerras.

Há grande interesse na mídia em relação à prática de separação precoce das bezerras. Alguns desses artigos têm uma agenda clara de laticínios; outros tentam justificar a prática. A maioria se refere a observações sobre o comportamento da bezerra e da vaca após a separação, e a interpretação de que esses comportamentos expressam dor e ansiedade por parte da vaca e da bezerra. Além disso, os requisitos orgânicos em muitos países afirmam que, para serem considerados laticínios orgânicos, as bezerras devem ser deixadas com as vacas após o nascimento.

Não sou psicólogo animal nem comportamentalista, por isso reluto em comentar a veracidade ou utilidade dos estudos observacionais ou aqueles que avaliam a capacidade das bezerras de realizar tarefas ou reagir a estímulos ambíguos. No entanto, esse não é o objetivo deste Calf Note. Em vez disso, eu sugiro um conjunto de práticas de manejo que poderiam permitir que a bezerra permanecesse com a mãe pelos primeiros 3 dias de vida, com menos risco de adquirir uma doença com risco de vida.

Aqui estão cinco sugestões que podem ser valiosas se você optar por deixar a bezerra com a vaca após o parto. Observe que não tenho resultados de pesquisas específicas para justificar cada uma dessas sugestões. Em vez disso, eles se baseiam nos conceitos subjacentes a respeito da mitigação de riscos e das necessidades da bezerra para termorregulação.

  1. Uma vaca, uma baia. A ideia aqui é minimizar o risco de transmissão de possíveis patógenos para a bezerra. Mais vacas que têm a oportunidade de interagir com a bezerra significa maior risco de infecção.
  2. Área de parto limpa, vaca limpa. Assim como o item #1, a ideia simples é que quanto maior a contaminação microbiana (bactérias, vírus e protozoários) na área de parto, maior o risco de uma bezerra encontrar essa contaminação e desenvolver doenças. Limpe e desinfete o chão e as paredes. Use cama limpa que seja substituída com frequência. Proporcione uma boa troca de ar para minimizar o risco de transmissão no ar. Lembrem-se, antes do consumo de colostro, a bezerra é extremamente suscetível à infecção.  


Logo após o parto, a bezerra permanece em pé e começa a investigar o ambiente com o objetivo de encontrar a vaca e o colostro. O período que a bezerra passa investigando e a carga microbiana no ambiente, contribuem para o risco de a bezerra ingerir algum patógeno e desenvolver uma doença com risco de vida. Assim, remover o máximo possível de contaminação (cama suja, esterco e outras vacas) pode reduzir o risco de infecção. Além disso, estudos têm mostrado (por exemplo, Ventrop e Michanek, 1992) que as bezerras geralmente não encontram o úbere imediatamente e passam um tempo tentando mamar os flancos, ventre da vaca, etc. Se essas áreas estiverem sujas, corremos novamente o risco de infecção.

Monitore a facilidade de parto e os cuidados especiais com as bezerras de partos difíceis. Pesquisas têm demonstrado repetidamente que as bezerras que sofrem um parto difícil permanecerão mais tardias, terão menor “vitalidade” ou “vigor” e consumirão menos colostro pela amamentação em comparação as bezerras que não têm problemas no nascimento. As bezerras que necessitam de assistência devem ser monitoradas mais de perto. Vários estudos demonstraram que bezerras com distocia são mais lentas e consomem menos colostro pela amamentação em comparação com bezerras com maior vigor pós-parto.  

O uso de anti-inflamatório não esteroides pode ser útil para melhorar o vigor da bezerra – converse com o seu veterinário sobre o uso de AINEs, quando necessário. Algumas pesquisas sugerem que os AINEs, como o Meloxicam, podem ser úteis para revigorar as bezerras e ajudá-las a ficar de pé e mamar. De fato, Gladden et al. (2019) sugeriram que a administração de AINE Cetoprofeno melhorou o bem-estar das bezerras recém-nascidas, independente do status de assistência, quando administrado às bezerras recém-nascidas de novilha da raça Holandesa. Por outro lado, Pearson et al. (2019) relataram que a administração de 0,5 mg/kg de Meloxicam teve pouco efeito na aquisição de imunidade passiva via amamentação em bezerros de corte que exigiram pelo menos assistência mínima.  

Alimente a bezerra o mais rápido possível. Embora possa haver algum debate entre veterinários, especialistas em ética e produtores sobre o valor do cuidado da mãe para a saúde e o bem-estar de bezerras recém-nascidas, é minha opinião que, diferentemente das bezerros de corte, as bezerras recém-nascidas (especialmente as bezerras Holandesas recém-nascidas) são menos prováveis para ficar de pé, encontrar o teto e mamar com sucesso nas primeiras horas críticas após o nascimento. Em vez de esperar a bezerra mamar com sucesso e depois alimentar os que não mamaram em 4 horas com uma mamadeira, sugiro que todos os bezerros sejam alimentados pela sonda às 2 horas de idade. Então, a bezerra pode permanecer com a vaca com risco muito menor de ingerir material contaminado e ingeriu bastante colostro no momento ideal para a absorção máxima de IgG.

Eu ofereço alguns estudos como justificativa para essa ideia. Wesselink e colaboradores (1999) relataram que 45% das bezerras leiteiras amostrados entre 1 e 25 horas de idade apresentavam baixos níveis séricos de IgG e 33% dessas bezerras não tinham mamado. A maioria das bezerras que mamaram neste estudo o fez nas primeiras seis horas após o nascimento. Vasseur et al. (2009) relataram que apenas um terço das bezerras deixadas com a mãe por mais de 4 horas foram observadas mamando na mãe. Além disso, eles relataram que 22% das bezerras testadas consumiram menos do que 2 L quando oferecidos até 4 L de colostro por mamadeira. Besser et al. (1991) relataram que 61% das bezerras Holandesas deixadas para mamar na mãe tiveram falha de transferência passiva, em comparação com 19 e 11% para bezerras alimentadas por mamadeiras ou sondas, respectivamente. Assim, uma proporção significativa de bezerras enfrentam o risco de falha de transferência passiva quando deixadas para mamar na mãe. Ventrop e Michanek (1992) relataram que o tempo do nascimento à amamentação bem-sucedida variou mais do que 12 horas (final do período de estudo) e a conformação do úbere desempenhou um papel significativo na capacidade da bezerra de amamentar com sucesso.  

Uma pesquisa recente de laticínios orgânicos na Noruega e na Suécia relatou que a falha na transferência passiva da imunidade foi de 31% nos rebanhos que permitiram as bezerras mamar na mãe (as bezerras foram deixadas com a mãe por 3 dias após o parto). As bezerras nascidas nessas fazendas foram deixadas para mamar na mãe e depois assistidas se não amamentassem, de acordo com a prática normal de manejo da fazenda. Curiosamente, ajudar as bezerras ou fornecer colostro adicional por mamadeira não melhorou a concentração sérica de IgG no grupo teste. Geralmente, as bezerras que foram suplementadas neste estudo eram bezerras de “baixo vigor”, que provavelmente apresentaram distocia durante o nascimento e possivelmente tiveram a capacidade comprometida de absorver IgG. No entanto, a alta taxa de FTP neste estudo sugere que deixar bezerras para amamentar na mãe parece aumentar o risco de FTP e predispor um número maior de bezerras a doenças.

Quando as bezerras recém-nascidas foram separadas de suas mães às 2 horas de idade e alimentadas com 180 g de IgG de um substituto de colostro comercial, não houve efeito de medidas de vitalidade (tempo de decúbito esternal, pH do sangue venoso, reflexo de sucção) na absorção de IgG (Murray et al., 2015), e, importante, todos as bezerras (n = 48) obtiveram transferência passiva bem-sucedida às 24 horas após a alimentação do colostro. Este estudo indica que a administração de uma quantidade adequada de IgG (>150 g) no início da vida pode minimizar o risco de FTP e doença.

Eu acho importante distinguir entre estudos com bezerras leiteiras e aqueles que usam bezerros de corte para avaliar a importância da separação precoce dos bezerros. Certamente, as bezerras leiteiras são maiores. A taxa de distocia em vacas leiteiras é maior que a de bovinos de corte, principalmente em novilhas. O termo “habilidade materna” é usado na indústria da carne bovina para descrever “O instinto natural que a vaca possui para proteger e criar um bezerro saudável e vigoroso até a idade de desmame. A capacidade materna é influenciada por vários fatores, genética e ambiente, e é amplamente aceito que a capacidade materna de uma vaca está diretamente relacionada à taxa de crescimento de seu bezerro e ao seu peso ao desmame” (link). Assim, a característica hereditária no gado de corte é um participante ativo para a mãe garantir que o bezerro consuma colostro suficiente desde mais cedo na vida. Em bezerros de corte, parece que o reflexo de sucção e a facilidade de parto estavam altamente relacionados à capacidade de um bezerro de permanecer em pé e consumir o colostro dentro de 4 horas após o nascimento (Homerosky et al., 2017). Esses autores desenvolveram um escore de APGAR modificado para indicar quais bezerros de corte apresentam maior risco de não consumir colostro ou o colostro suficiente. 

  • Aqueça a bezerra, se possível. As bezerras deixadas com a mãe experimentam uma exposição semelhante ao ambiente em comparação as bezerras separadas logo após o nascimento e podem precisar de fonte suplementar de calor em clima frio. É mais desafiador fornecer calor suplementar quando a bezerra é deixada com a vaca em comparação com o fornecimento de uma lâmpada de calor em uma gaiola quando as bezerras são separadas. Em casos de clima muito frio (0°C ou menos), pode fazer sentido colocar uma caixa de aquecimento na baia com a vaca e garantir que a bezerra possa acessar a caixa de aquecimento.  

Alguns estudos (por exemplo, Vasseur et al., 2009) relataram pouco valor em fornecer uma lâmpada de calor as bezerras em termos de consumo de colostro. No entanto, os pesquisadores forneceram a lâmpada apenas 1 hora após o nascimento e não houve resposta mensurável à temperatura retal da bezerra.

Resumo

Existe um crescente interesse do público no manejo neonatal e na prática de separar as bezerras no nascimento. Nos laticínios orgânicos, em muitas jurisdições existem que as bezerras permaneçam com a vaca. Assim, os produtores podem decidir deixar a bezerra com a vaca em vez de separá-las logo após o nascimento. Essa mudança no manejo exige maior manejo da área de parto para minimizar os riscos de transmissão da doença e garantir o consumo precoce de uma quantidade adequada de colostro.

Referências

Besser, T. E., C. C. Gay, and L. Pritchett. 1991. Comparison of three methods of feeding colostrum to dairy calves. J Am Vet Med Assoc. 198:419-422.

Gladden, N., K. Ellis, J. Martin, L. Viora, and D. McKeegan. 2019. A single dose of ketoprofen in the immediate postpartum period has the potential to improve dairy calf welfare in the first 48 h of life. Appl. Anim. Behaviour Sci. 212:19-29. https://doi.org/10.1016/j.applanim.2019.01.007.

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Homerosky, E. R., E. Timsit, E. A. Pajor, J. P. Kastelic, and M. C. Windeyer. 2017. Predictors and impacts of colostrum consumption by 4 h after birth in newborn beef calves. Veterinary J. 228:1-6. https://doi.org/10.1016/j.tvjl.2017.09.003.

Murray, C. F., D. M. Veira, A. L. Nadalin, D. M. Haines, M. L. Jackson, D. L. Pearl, K. E. Leslie. 2015. The effect of dystocia on physiological and behavioral characteristics related to vitality and passive transfer of immunoglobulins in newborn Holstein calves. Canadian J. Vet. Res. 79:109-119.

Pearson, J. M., E. Pajor, J. Campbell, M. Levy, N. Caulkett, and M. C. Windeyer. 2019. A randomised controlled trial investigating the effects of administering a non-steroidal antiinflammatory drug to beef calves assisted at birth and risk factors associated with passive immunity, health, and growth. Veterinary Record Open 2019;6:e000364. doi:10.1136/vetreco-2019-000364.

Vasseur, E., J. Rushen, and A. M. de Passillé . 2009.Does a calf’s motivation to ingest colostrum depend on time since birth, calf vigor, or provision of heat? J. Dairy Sci. 92:3915–3921. doi: 10.3168/jds.2008-1823.

Ventrop, M., and P. Michanek. 1992. The importance of udder and teat conformation for teat seeking by the newborn calf. J. Dairy Sci. 75:262-268.

Wesselink, R., K. J. Stafford, D. J. Mellor, S. Todd, and N. G. Gregory. 1999. Colostrum intake by dairy calves. NZ Vet. J. 47:31-34. https://doi.org/10.1080/00480169.1999.36105.

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